Setembro de 2013 marca o meu regresso ao Porto Santo. Um regresso pela porta pequena, vestido de vergonha. Pronto para os julgamentos em praça pública, porque aqui, tudo se sabe, mesmo quando não se sabe de nada.
Entre 2008 e 2013, a minha vida foi isto, um ciclo vicioso. Tinha uma espécie de bloqueio emocional que fazia com que não fosse às aulas na faculdade. Relacionamentos falhados, isolamento social, autoestima quebrada, mas acima de tudo, uma vergonha enorme de contar aos meus pais o que estava a acontecer. Muitas vezes o que me fazia aguentar financeiramente, era o que ia ganhando no poker. O poker era o meu escape, na altura.
Lembro-me perfeitamente das vezes que voltava de férias a casa, à ilha, para junto da família e dos amigos (a maioria também na faculdade). Quando, em conversa, os temas eram as notas, os exames, as praxes, a minha mente divergia para outro sítio. Era como se não estivesse ali. Não tinha nada para contar
Tudo culminou em 2013, quando ia regressae ao Porto par o novo ano letivo. Estava no Porto Santo e tinha que apanhar o barco que faz a ligação à Madeira, uma vez que era de lá que saía o meu vôo. Quando estava a comprar o bilhete de barco, com a minha mãe, a funcionária pediu o cartão de estudante, para usufruir do desconto. Entreguei o cartão e…estava caducado. A minha mãe desconfiada, passados uns dias, ligou para os serviços académicos da faculdade e teve o choque da vida dela. “O seu filho não frequenta as aulas”. Foi o fim. Voltar de vez para o Porto Santo, ter que encarar toda a gente, os julgamentos, as “bilhardices”.
Estava de volta. Tive várias conversas com os meus pais e quando pensei que ia ter as malas à porta, lá estiveram eles, a meu lado. Desapontados, mas a meu lado, como em toda a minha vida.
Era uma nova oportunidade. Todos os sonhos que tinha, tiveram que ser ajustados. Estou de volta à ilha que amo, vou fazer as coisas bem. Batalhei, arranjei trabalhos temporários. Tive a oportunidade de me conectar outra vez ao desporto, a minha paixão. O poker praticamente já não existia.
Estava prestes a entrar noutro mundo. O mundo das apostas desportivas. Eu que sempre amei futebol. Em casa o futebol era presença diária. As apostas desportivas aparecem de certa forma como apareceu o poker. De forma controlada, sem grandes gastos. Não há como falhar, sou um conhecedor profundo de futebol, pensava eu. É claro que o Manchester City vai ganhar ao Bournemouth. É claro que não!
São estes pensamentos que nos fazem apostar. E tantos outros, como “são só 5€”. O problema são os vários 5€. O problema é a falta de inteligência emocional. O problema é a falta de educação financeira. De repente já não são 5€, já são 10€ e depois 20€.
Relembro mais uma vez, que nesta altura, as casas de apostas não aceitavam depósitos por MBWAY. Toda a dinâmica de ter que ir ao banco depositar, para depois transferir para qualquer casa de apostas, ajudou a conter muitos dos impulsos.
Para mim, o ponto chave foi esse. A introdução do MBWAY como plataforma de depósito nas casas de apostas, bem como das aplicações das instituições bancárias. O facilitismo puro.
Sei que muitos se vão identificar com esta história. E ela não termina aqui. Em breve, conto-vos o resto.
Digam não ao jogo. Digam sim a uma vida normal.
(Se algum de vocês está a passar por uma fase complicada relacionada com este tema e precisar desabafar, podem entrar em contato comigo. Ninguém está sozinho.)