Quando estamos num ciclo compulsivo, só pensamos que mais uma aposta, mais uma rodada numa slot, vai ser a salvação para todo o dinheiro perdido anteriormente. Esquecemo-nos de tudo, estamos presos naquele momento específico, estamos presos a uma realidade que não existe e presos a uma ideia errada.
Lembro-me bem de quase todos os momentos, em que só pensava em recuperar o dinheiro que tinha perdido. De todas as vezes que ganhei bastante dinheiro, que levantava para a minha conta bancária e invariavelmente voltava a depositar para jogar. Lembro-me de todas os bens materiais que vendi, para compensar o dinheiro que tinha perdido no jogo.
Recordo-me de todas as vezes que chegava a casa, frustrado, irritado, zangado por tudo o que se estava a passar. De todas as vezes em que dizia que estava tudo bem, mas não estava. De guardar todos esses sentimentos negativos para mim. Lembro-me do quanto isso afetava o meu dia-a-dia, mesmo nas coisas que mais gostava de fazer.
Um exemplo muito específico, aconteceu um pouco antes do meu divórcio, em que tudo o que estava a acontecer, fez com que a minha abordagem ao futsal, que é uma enorme paixão minha, saísse prejudicada.
Estávamos à beira de nos tornarmos campeões regionais, a fazer uma época de sonho, sentia-me realizado com o trabalho que estávamos a desenvolver. Mas, estava numa situação problemática em relação ao vicio que tinha. A consequência disso, é que deixei de ter motivação para ir aos treinos, na minha cabeça, toda a conjugação de acontecimentos que estavam a acontecer nesse momento da minha vida, faziam com que eu não me sentisse bem em liderar um grupo de miúdos, em que eu devia ser o exemplo.
Felizmente, mesmo após o divórcio, tive pessoas no clube, que me agarraram e estenderam a mão naquele momento e que não me deixaram desistir. Fomos campeões regionais, ganhamos a taça da Madeira e fomos a Aveiro disputar o acesso ao campeonato nacional de futsal.
A minha cabeça não estava no sítio certo, mas naquele momento, tive pessoas que me ajudaram e graças a essas pessoas, vivemos uma experiência incrível no clube.
Porém, após um hiato de alguns meses sem jogar, haveria de ter uma recaída. Tinha passado por todos esses acontecimentos, sem ajuda profissional. Achei que ultrapassava tudo sozinho. Mas não, as coisas não funcionam assim. Alguns meses depois, estava a jogar outra vez e com consequências piores. Isso levou-me ao ponto mais baixo que tive na minha existência. Foi nesse momento que comecei a pensar em suicídio (podem ler a publicação que fiz sobre esse tema).
Realmente sou um sortudo. No meio de tantas coisas más que me aconteceram, no meio de tantas escolhas erradas que tomei, posso dizer que sou um sortudo por ter a família que tenho e por ter os poucos amigos que tenho, porque sem eles, não estaria aqui certamente. Sem eles, os pensamentos obscuros que tive, se calhar tinham sido mais do que apenas pensamentos.
A todos aqueles que me ajudaram a estar no “sítio” onde estou hoje, um obrigado não chega. A vocês devo a minha vida, porque até ao momento em que o meu “chip” mudou e mentalizei-me que não podia continuar com aquele tipo de vida, foram vocês que me mantiveram vivo e isso é algo que eu não esqueço e nunca esquecerei.
Digam não ao jogo. Digam sim a uma vida normal.
(Se algum de vocês está a passar por uma fase complicada relacionada com este tema e precisar desabafar, podem entrar em contato comigo. Ninguém está sozinho.).
